Pejotização: Estratégia Empresarial ou Risco Trabalhista?
Com mais de uma década de atuação na advocacia trabalhista e empresarial, aliado à experiência como palestrante em temas estratégicos de gestão jurídica, venho auxiliando empresas e profissionais a compreenderem os limites e riscos da chamada “pejotização”.
A prática, cada vez mais comum no cenário corporativo, exige atenção redobrada dos empresários, sob pena de que uma escolha equivocada reverta-se em vultosos passivos trabalhistas.
Antes de adentrarmos no cerne da discussão, cumpre destacar a distinção fundamental entre relação de trabalho e relação de emprego. A primeira é gênero, abrangendo todas as formas de prestação de serviços humanos – autônomos, eventuais, avulsos, estagiários e também aqueles formalizados por meio de pessoa jurídica. Já a relação de emprego, espécie desse gênero, é a única dotada de requisitos específicos: subordinação, habitualidade, pessoalidade e onerosidade. É justamente a presença desses elementos que atrai a incidência da proteção trabalhista, justificando a diferenciação jurídica e os riscos do enquadramento inadequado.
Para o empresário, o desafio consiste em distinguir corretamente o empregado do trabalhador autônomo. O empregado, por definição legal, é a pessoa física que atua sob ordens, em horários previamente definidos, sujeitando-se a fiscalização direta e às consequências disciplinares. Já o autônomo labora por conta própria, organiza sua agenda, precifica seus serviços e assume os riscos do negócio. Importante frisar que o ordenamento jurídico brasileiro não impõe que toda prestação de serviços configure vínculo empregatício, assegurando ao agente econômico a liberdade de estruturar sua estratégia empresarial.
Nesse contexto, ganha relevância a contratação por meio de pessoa jurídica. Trata-se de modelo legítimo, reconhecido inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, que permite a prestação de serviços entre empresas, independentemente da atividade fim. Contudo, quando esse arranjo é utilizado de forma simulada, para mascarar uma relação de emprego, surge a chamada pejotização fraudulenta. Aqui, o trabalhador, embora registrado como empresa, atua de fato como empregado, em situação de vulnerabilidade, configurando fraude passível de nulidade com reconhecimento do vínculo laboral.
O risco, portanto, não está na contratação de prestadores de serviço via CNPJ, mas na forma de execução contratual. Se a realidade vivenciada reflete subordinação, pessoalidade e dependência econômica, prevalece o princípio da primazia da realidade consagrado pela CLT. Nessa hipótese, a empresa contratante poderá ser condenada ao pagamento de salários, férias, 13º, FGTS, verbas rescisórias e demais encargos, além de eventuais indenizações, o que pode comprometer seriamente a saúde financeira do negócio.
Para mitigar riscos, recomenda-se que a contratação de pessoas jurídicas seja direcionada a profissionais hiperssuficientes, geralmente em atividades de natureza intelectual, nos quais não se verifique relação de subordinação. Além disso, é imprescindível formalizar contratos claros, prever liberdade na execução das tarefas, facultar substituições pelo prestador e assegurar plena ciência de que se trata de relação comercial e não empregatícia. Exigir a abertura de empresa como condição para contratação pode constituir indício de fraude, devendo o empresário evitar tal prática.
Em conclusão, a pejotização pode, sim, representar uma estratégia empresarial lícita, alinhada à liberdade contratual e à inovação na gestão. Todavia, quando utilizada como artifício para burlar a legislação trabalhista, transforma-se em passivo oculto de alto risco. A palavra de ordem para o empresário é cautela: estruture seus contratos com clareza, respeite a autonomia do prestador e conte sempre com assessoria jurídica especializada. Assim, sua empresa estará apta a usufruir das vantagens da flexibilidade negocial, sem se expor aos riscos da fraude trabalhista.